O Amor é uma Idiotice
Um ensaio sobre Stardust e a natureza tola do amor — essa força que nasce da ingenuidade, destrói ilusões e só existe quando é construída, não sonhada.
A princípio, creio que haverá algumas reações a respeito desse título. Os romancistas — “que provavelmente nunca viveram um romance, ou não aprenderam com os romances fracassados” — dirão que a frase é uma idiotice, afinal, nada mais belo e puro que um romance. Já os amargurados bebedores de gin provavelmente concordarão inteiramente com minha afirmação.
Mas peço calma — escutem o que tenho a dizer sobre o assunto. Garanto que o fato de eu ter 22 anos e nunca ter vivido um romance não irá interferir no meu argumento.
Este texto se refere à leitura do livro Stardust – O Mistério da Estrela, de Neil Gaiman, meu autor preferido, principalmente por eu ser fascinado pela família Hempstock. Nesse livro, acompanhamos a aventura de um jovem chamado Tristan Thorne — facilmente classificado como um idiota da melhor espécie — em sua tentativa de provar seu amor por uma mulher (não direi o nome; não é necessário, afinal, você certamente saberá puxar da memória alguma mulher para esse papel).
O universo incrível desse livro é igualmente complexo. Ele se passa em um tempo em que o mundo era um lugar mais divertido, onde as fronteiras entre magia, bruxas e criaturas fantásticas estavam muito mais próximas da humanidade — quando o tecido da realidade se assemelhava mais aos livros de fantasia.
Em um lugar distante havia um vilarejo comum, com pessoas comuns para a época. Mas nele havia uma muralha com uma pequena entrada frequentemente vigiada. Do outro lado, a magia era algo tão comum quanto a eletricidade é hoje. Esses dois mundos — tão próximos e ao mesmo tempo tão distantes — se encontravam periodicamente em uma feira, onde ambos podiam transitar entre si. Pessoas comuns tinham contato com tendas que vendiam o fantástico.
“Seria a mesma sensação de uma criança ir à feira comer pastel com caldo de cana e comprar um jogo pirata de PS2. SIM, SOU A FAVOR DA PIRATARIA.”
Por motivos e motivos, o pai de nosso protagonista teve um romance com uma atendente dessa feira, e desse encontro nasceu nosso querido protagonista — um híbrido de elfo e humano.
Após muitos anos, ele cresceu e, como todo bom idiota, se apaixonou. Não por alguém confidente, alguém de quem conhecia os segredos, mas por uma mulher linda — e, naquele momento, bastava apenas isso para se apaixonar. Acho que é comum ao homem jovem se apaixonar por uma mulher de que nada sabe, mas por quem sente tudo.
Como todo bom idiota, ele se declarou, prometendo o mundo e o céu, as estrelas e até a lua, se fosse preciso. Então ela, sensata, respondeu: “Se você me trouxer essa estrela que caiu, faço o que você quiser.”
Não sei se você já ouviu isso, mas eu sim: cometi o mesmo erro de acreditar — e a mesma idiotice de sentir o ímpeto de realizar o meu desejo.
Jovem como era, aceitou a condição pensando em pedir a mão dela. Não perdeu tempo: como era adulto, mas nem tanto, foi pedir permissão à mãe e ao pai. A mãe, responsável, foi contra; o pai, irresponsável, apenas o ajudou em sua busca. “Isso é algo que só os homens entendem: às vezes precisamos sair em busca do incrível. Assim como a solidão está para os pensadores, a grandeza está para os idiotas.”
Então, com alguns mantimentos e uma imagem bem clara da linda mulher em seus braços, ele partiu em busca de seu objetivo.
Assim que atravessou a muralha, deparou-se com um mundo regido pela magia — não caótico, mas com regras tão claras para um idiota quanto nebulosas para um cientista. Uma de suas primeiras companhias foi um pequeno homem peludo, sábio como era de se esperar de quem viveu muito. Logo, o homenzinho questionou o jovem imbecil:
“Você veio aqui por estar apaixonado, certo? Sair à procura de uma estrela é algo que só um idiota apaixonado faria.”
Como era de se esperar, ele passou por perigos e pelas dualidades que só uma história mágica proporciona.
Seguindo sua aventura, ele finalmente encontra a estrela — mas não um pedaço de ferro fundido queimado na atmosfera, e sim uma jovem com a perna machucada que caiu do céu.
Talvez pareça loucura uma estrela ser uma bela mulher, mas para os idiotas isso é tão claro quanto a água de uma nascente vinda de uma montanha submersa.
Agora, porém, ele a havia prometido à sua amada, e precisava cumprir. O homenzinho peludo lhe dera uma corrente de prata — e, uma vez presa a ela, por regras antigas do mundo, não poderia ser quebrada. Não eram leis humanas, mas leis mais antigas que a estrela mais velha, da era em que o mundo ainda era uma bola de fogo e os deuses aprendiam a caminhar.
Com a corrente, ela seria obrigada a acompanhá-lo — contra sua vontade, mas conforme as regras velhas do mundo. Mesmo machucada, nosso idiota egoísta a fez caminhar em direção ao seu objetivo.
Do outro lado da história, havia três bruxas. Quando a primeira rosa se tornou vermelha, elas já entoavam feitiços antigos. A juventude eterna é mérito apenas dos seres antigos — e elas, mortais, envelheciam, enrugavam-se, usando vestidos de uma juventude que ficou no passado. Mas, conhecedoras das regras antigas, sabiam que o coração de uma estrela — arrancado e destilado — lhes concederia juventude até a próxima era, talvez o suficiente para presenciar a criação da internet e a desgraça dos homens modernos.
Nosso jovem idiota, então, precisava levar a bela manca para casa e ainda fugir da bruxa que caçava a estrela. Sua jornada foi repleta de desafios: unicórnios descendentes da lua lutando contra leões descendentes do sol; uma árvore que falava não com palavras, mas com a linguagem anterior à queda da Babilônia; algumas pequenas folhas cuja última revelava a verdade que apenas no momento certo faria sentido; uma vela que durava o tempo de um sonho e mostrava o caminho verdadeiro, onde o conceito de tempo se tornava tão bobo quanto o Papai Noel.
Paisagens magníficas, montanhas partidas por gigantes, reis esperando sucessores, filhos mortos por ganância supérflua, bruxas transformando humanos em bodes, e lâminas antigas capazes de arrancar o coração de uma estrela feita de poeira cosmica e amor da mãe lua.
E, claro, não podemos esquecer dos navios voadores que pescam raios e aportam em árvores tão grandes quanto Yggdrasil.
Esse é um mundo em que leitores de fantasia gostariam de viver.
Ao fim da jornada, o jovem se vê diante da muralha. Um passo separa-o de entregar sua companheira de viagem à mulher que acreditava amar — aquela que nada conhecia, apenas sentia. Mas uma verdade terrível se revela: se a estrela atravessasse, tornaria-se apenas uma pedra. Informação que ele, claro, não sabia.
Do lado de fora, enquanto a estrela aguardava, ele conversa com sua amada após meses. E, como se não fosse uma história, mas a própria realidade, ela confessa que, quando ele fez a promessa, já estava noiva de outro homem.
“A vida não é um livro em que você rouba um presente do céu para dar a quem ama. É a realidade — fria, não o bastante para ser trágica, nem o bastante para ser poética — apenas uma possibilidade, distante das milhares que você idealizou.”
Como bom idiota, ele entendeu — e apenas lhe desejou felicidade.
Ao voltar, ele a vê.
Seu vestido cintilava como as estrelas mais distantes, cujos brilhos viajam milênios após sua morte, sustentados apenas pela lembrança.
Viu seus cabelos dourados, mais valiosos que o ouro, finos como linhas capazes de segurar seus desesperos mais profundos.
Viu sua pele branca como mármore, mas macia como milhões de algodões feitos das nuvens viajantes.
Viu seus lábios sedutores — não com luxúria, mas com ternura suficiente para hipnotizar apenas quem deseja amar.
E viu seus olhos, carregados de poeira estelar, com ferro que dilatava as pupilas e ouro puro que os fazia brilhar.
Viu-a como ela era, sem conceitos abstratos, apenas a realidade de alguém disposto a amar.
No final, um final feliz: a lua perdeu uma filha, e dois domingos se encontraram — resultando na liberdade de uma escrava.
Mas o que quero dizer é que o amor é uma idiotice.
Não no sentido de não valer a pena, mas por acontecer de um jeito tão realista que pisa nos seus sonhos.
Geralmente amamos alguém que mal conhecemos — uma pessoa que vimos algumas vezes, mas não sabemos o que sente ao ver uma rosa arco-íris, ou como reage ao ouvir um cachorro latindo.
Idealizamos uma pessoa que não existe, cuja existência está atrelada a uma imagem coberta de furos, onde suas frases são as que desejamos ouvir, e suas qualidades, o complemento dos nossos defeitos.
Geralmente, amamos primeiro uma pessoa que é um quadro cheio de buracos, que preenchemos com nossos sonhos.
O amor que Tristan Thorne sentiu pela estrela foi diferente: ele não a amou antes de conhecê-la, mas depois — depois de vê-la como era, depois de vê-la chorar e sorrir.
A maioria de nós acha que primeiro ama e depois vive coisas incríveis; mas a verdade é que primeiro vivemos coisas incríveis — e só então amamos.
O amor é uma idiotice porque achamos que basta amar.
Mas não é assim.
Desde que o mundo tinha um nome desconhecido, desde que a linguagem não era verbal, desde que o mundo era habitado por seres mais antigos que o núcleo da Terra, desde que a primeira estrela nasceu — o amor só acontece quando é construído, não quando é desejado.
E é por isso que concluo: o amor é uma idiotice — porque depende de você ser idiota o bastante para acreditar que ele acontece quando não se procura.

